Quilombo une forças para barrar aprovação do PL "Escolhi Esperar"

Vereador tenta institucionalizar doutrina de abstinência sexual em escolas e equipamentos de saúde do município

Há cerca de um mês a mandata coletiva Quilombo Periférico, junto com a oposição formada pelas vereadoras e vereadores do PSOL junto com a bancada do Partido dos Trabalhadores – PT, tenta barrar a aprovação do Projeto de Lei 813/19 que tem como objetivo a implantação da “Semana Escolhi Esperar” nas redes públicas de educação e saúde da cidade de São Paulo. Já pelo título é possível entender que se trata de um projeto da ala ideológica na Câmara Municipal de São Paulo – CMSP que tem como objetivo transformar uma doutrina religiosa em política pública, impondo um valor moral como protocolo para a atuação do Estado.

Argumentando que o objetivo seria evitar a gravidez precoce, o PL protocolado pelo vereador Rinaldi Digíglio, do Partido Social Liberal – PSL, busca de forma sutil estabelecer um protocolo de abstinência sexual, ignorando direitos individuais e as leis de proteção à infância e juventude que já estão estabelecidas no Estatuto da Criança e Adolescente – ECA. 

Por se tratar de um PL que tem influência direta na vida de crianças e adolescentes, as vereadoras da oposição conseguiram por meio de um dispositivo previsto no Regimento Interno da CMSP estabelecer que o PL fosse levado à discussão pela sociedade civil por meio de duas Audiências Públicas.

Boiada ideológica

Assim que essa condição foi imposta o vereador e seus correligionários decidiram acelerar o processo realizando as duas Audiências Públicas no prazo de 15 dias, sendo a primeira no dia 25/05 e a segunda no dia 08/06. Toda essa correria para que o PL fosse colocado em votação já na sessão extraordinária da última quarta-feira, dia 9 de junho. 

Nas audiências mais de 80% das manifestações foram contrárias ao projeto. Os participantes denunciavam problemas que vão desde a ineficácia, comprovada cientificamente por diversos especialistas no tema, até a inconstitucionalidade, uma vez que o PL ignora a Constituição Federal, o ECA, que em seu artigo 8º, já institui a Semana Nacional de Prevenção à Gravidez na Adolescência, além de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Conferência sobre Direito das Mulheres, realizada em Pequim, na China em 1995.

Mesmo depois desse rico debate o autor não abriu mão de colocar o PL em votação. No dia 9/06, considerando que o debate sobre o PL poderia se estender,  o presidente da CMSP, vereador Milton Leite retirou o projeto da pauta, mas agora ele deve ser votado nesta quinta-feira, dia 17/06.

Para além das questões técnicas levantadas tanto nas sessões plenárias como nas audiências, a mandata coletiva Quilombo Periférico, entende que os objetivos do PL vão além de uma simples intervenção religiosa e conservadora no Estado e avançam para a forma como o Racismo Estrutural age no sistema político e por consequência na sociedade: criminalizado vítimas, uma vez que o seu texto distingue as mulheres, jovens e adolescentes que em sua maioria são vítimas de abuso, de violência sexual e até da ausência do Estado, quando não recebem informações suficientes sobre prevenção à gravidez precoce e métodos contraceptivos, daquelas que por convicções religiosas e morais “escolheram esperar” se abstendo de um inicio saudável à vida sexual. As primeiras quase sempre são mulheres negras, pobres e vivem na periferia em locais que os serviços públicos quando chegam é de maneira precária e desigual.

Segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS, a gravidez na adolescência é aquela que atinge jovens entre 10 e 20 anos. De acordo com pesquisa do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), das 7,3 milhões de meninas e jovens grávidas no mundo, 2 milhões tem menos de 14 anos, ou seja, uma grande parcela das pessoas para as quais essa política é voltada está sendo ignorada e excluída da preocupação do legislador, por sequer ter o poder de escolha, uma vez que são vítimas de estupro de vulnerável, conforme determinado pelo Código Penal. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam que a cada 75 minutos uma menina é estuprada no estado de São Paulo, ou seja, para essas meninas não se trata de “escolher” e muito menos de “esperar”! É preciso olhar com honestidade para os números de gravidez precoce que apontam para um alarmante número de casos de estupros.

“A proposta fala de celibato e controle do corpo das mulheres e as consequências disso podem causar diversos traumas na vida de centenas de milhares de mulheres periféricas, especialmente as negras. Na verdade, o que a proposta trás não é política de saúde pública, mas uma doutrina. Uma tentativa de institucionalizar juízos morais e religiosos, quando o lugar desses preceitos é nos fóruns e círculos da religião e da moral. Não devem ser impostos como lei à sociedade”, disse a co-vereadora Elaine Mineiro em uma de suas manifestações sobre o PL na câmara.

Projeto da Damares

Em fevereiro de 2020, na esteira da lei federal 13.798 que institui a Semana Nacional de Prevenção à Gravidez na Adolescência, em fevereiro de 2020 o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos – MMFDH, comandado pela ministra Damares Alves, tentou implantar uma iniciativa baseada nessa mesma premissa em conjunto com o Ministério da Saúde, comandado à época por Luiz Henrique Mandetta, que abordava o adiamento da iniciação sexual como medida preventiva para a “gravidez precoce”. A ação era inspirada na iniciativa religiosa “Eu Escolhi Esperar”. Embora não aborda a abstinência sexual, a campanha se baseava no slogan: “Adolescência primeiro, gravidez depois – Tudo tem seu tempo!”. Isso deixa claro que o PL em debate aqui em São Paulo é só mais uma adaptação de mais uma iniciativa bolsonarista na pauta dos costumes.

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